sábado, 3 de abril de 2010

O mundo do futebol perdeu Armando Nogueira

No dia 29 de março de 2010, o Brasil, o jornalismo brasileiro e o esporte mundial perderam um ícone, o homem, o poeta do esporte e um exemplo de como um jornalista deve se comportar. Armando Nogueira faleceu, depois de lutar contra um câncer no cérebro deste 2007, aos 83 anos muito bem vividos.

Armando Nogueira revolucionou o jornalismo em geral, além de ter histórias interessantíssimas sobre a história do Brasil, como o fato, até então inédito, de descrever a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda em primeira pessoa, afinal havia presenciado o fato. Ali começava a mudança do jornalismo brasileiro.

Antes de Armando, o telejornal era sem importância e de pouco apelo popular, após ele ser convidado por Walter Clark para fazer parte da Rede Globo, ele inovou, modificou e transformou o telejornalismo, em conjunto de Alice Maria. Através do trabalho dele foram criados programas como Jornal Nacional e Globo Repórter, acompanhamos as coberturas das Copas do Mundo desde 1954 e as olimpíadas desde 1980.

Este botafoguense, que sempre prezou pelo bom jornalismo, pelo respeito aos limites das notícias, se viu por conta desta postura em uma situação incomoda, nas eleições de 1989 a Rede Globo realizou um debate entre os candidatos a presidência (Collor e Lula) e no dia seguinte mostrou um compacto do debate em dois de seis telejornais (o Jornal Hoje e o Jornal Nacional), no segundo telejornal foi ao ar uma edição do compacto extremamente favorável ao candidato do presidente da emissora (Roberto Marinho), sem o conhecimento e a revelia de Arnaldo Nogueira (diretor geral da Central Globo de Jornalismo). Por expressar esse descontentamento frente ao compacto manipulado, foi "aposentado" pela Rede Globo em 1990, deixando bem claro que o episódio foi de "mal jornalismo".

Um poeta do esporte, no texto da vida de Armando Nogueira não havia espaço para frases feitas e de seus ensinamentos saiam versos que podem se igualar em beleza e plasticidade a uma fantástica jogada, drible e gol no futebol. "O Pelé já era melhor muito antes de ser, e continua sendo mesmo depois de já ter sido"; "Amar o passe, amar o drible, amar o gol... A Maradona"; A bola é uma flor que nasce nos pés de Zico, com cheiro de gol". Essas e muitas outras obras do Mestre Armando Nogueira ficaram em nossas memórias, por sempre nos dar a mesma sensação de um gol.

A Última Noite de Zico

"Maracanã, enfeita de bandeiras tuas arquibancadas que hoje é dia de festa no futebol. Encomenda um céu repleto de estrelas. Convida a Lua (de preferência Lua cheia). Veste roupa de domingo nos teus gandulas. Põe pilha nova no radinho do geraldino. E por favor, não esquece de regar a grama (de preferência com água-de-cheiro).

Avisa à multidão que ninguém pode faltar. É despedida do Zico e estou sabendo, de fonte limpa, que, hoje à noite, ele vai repartir a bela coleção de gols que fez nos seus 20 anos de Maracanã. Eu até já escolhi o meu: quero aquela obra prima, o segundo gol do Brasil contra o Paraguai nas Eliminatórias do Mundial de 1986. Lembro-me como se fosse hoje. Zico recebe de Leandro um passe de meia distância já na linha média dos paraguaios. Um efeito imprevisto retarda a bola uma fração de segundo. 'Zico vi passar batido' - eu pensei. Pois sim. Sem a mais leve hesitação, sem sequer baixar os olhos, ele cata lá atrás com o peito do pé, dá dois passos e, na mesma cadência, acerta o canto esquerdo do goleiro paraguaio.

Passei uma semana vendo e revendo no teipe aquele instante mágico do corpo em harmonioso movimento com o tempo e com o espaço, e a bola coladinha no pé, parecia amarrada no cadarço da chuteira. Um gol de enciclopédia. Se o amável leitor aceitar uma sugestão, dou-lhe esta: escolha um dos gols que Zico fez graças à sua arte singular de chutar bola parada.

Chutar a bola de falta à entrada da área é um talento que Deus lhe deu mas não de mão beijada, como imaginava os desavisados. Zico trabalhou seriamente, anos e anos, para alcançar a perfeição dos efeitos sublimes. À tardinha, quando terminava o treino, ele costumava sozinho no campo do Flamengo - ele, uma barreira artificial, uma bola e uma camisa caprichosamente pendurada no canto superior das traves. A camisa era o alvo.

Zico passava horas sem fim, chutando rente a barreira e derrubando a camisa lá de cima das traves. Chegava o domingo, na cobrança de falta, a bola já estava cansada de saber onde ela tina que entrar. Não tenho duvida em dizer que tardará muito até que apareça alguém que domine como Zico o dom de cobrar falta ali da meia-lua.

Celebremos, querido torcedor, a última noite do maior artilheiro da história do Maracanã. Será uma despedida de apertar o coração. Se te der vontade de chorar, chora. Chora sem procurar esconder a pureza da tua emoção. Basta uma lágrima de amor para imortalizar o futebol de um supercraque.

Cantemos, Maracanã, teu filho ilustre, relembrando em comunhão os dribles mais vistosos, os passes mais ditosos, os gols mais luminosos desse fidalgo dos estádios que tem uma vida cheia de multidões.

Louvemos o poeta Zico que jogava futebol como se a bola fosse uma rosa entreaberta a seus pés."

Armando Nogueira. Grande torcedor botafoguense.

Descanse em paz Mestre!

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